A altitude afeta os jogadores de futebol? Sim, e não é pouco. Quando o atleta ascende a uma grande altitude, ele é exposto a uma pressão barométrica reduzida, e os efeitos fisiológicos que acompanham essas mudanças da pressão atmosférica podem ter grande influência sobre o seu organismo e seu desempenho físico.
No caso do futebol, a finalidade do treinamento na altitude é de preparação específica para uma competição, ou para submeter o organismo a um estresse fisiológico adicional em um determinado ponto do macrociclo de treinamento.
A pressão barométrica se modifica em função da altitude, e as características físicas e efeitos fisiológicos que acompanham as mudanças da pressão podem ter grande influência sobre o desempenho físico. Apesar de a pressão diminuir com o aumento da altitude, as porcentagens dos gases que compõem o ar permanecem as mesmas. Assim, com uma diminuição da pressão barométrica, a pressão parcial de oxigênio inspirada (PIO2) irá diminuir proporcionalmente.
A exposição à hipóxia traz riscos associados ao organismo. Sonolência, fadiga mental e muscular, prostração, cefaléia e, ocasionalmente, náusea, são alguns dos efeitos agudos importantes da hipóxia. Há, também, o risco associado de Doença Aguda das Montanhas (DAM) e, com menor frequência, de edemas pulmonar e cerebral. Os sintomas da DAM incluem dor de cabeça, náusea, anorexia e fadiga, ocorrendo principalmente em pessoas que ascendem rapidamente a grandes altitudes.
Acredita-se que a hipóxia seja responsável pelo início de uma cascata de eventos sinalizadores que, ao final, levam à adaptação à altitude. A aclimatação ocorre pelos seguintes meios: (I) grande aumento da ventilação pulmonar - 65% acima do normal - pela estimulação hipóxica dos quimioreceptores, (II) aumento do hematócrito, de valores normais de 40 a 45g/dl até 60g/dl e da concentração de hemoglobina, de valores normais de 15g/dl até 20g/dl, (III) vascularização aumentada dos tecidos e (IV) capacidade aumentada das células de utilização de oxigênio.
Estudos mostram que os efeitos da altitude e as adaptações fisiológicas que induzem à aclimatação provocam modificações metabólicas - como a alteração da utilização de substrato, da capacidade de processamento de nutrientes - e físicas - como a perda de massa corporal. A alimentação torna-se, então, fundamental na tentativa de prevenir ou minimizar as conseqüências adversas da altitude sobre o indivíduo.
Efeitos da altitude sobre o organismo e o desempenho físico
O desempenho no exercício, em condições de pressão atmosférica reduzida, é afetado pela influência de três fatores: a resistência do ar, a pressão parcial de oxigênio, e o processo de aclimatação, que afeta o transporte de oxigênio, o metabolismo e o balanço ácido-básico. O impacto sobre o desempenho varia conforme a modalidade do exercício e a distância e duração da prova. Há também uma grande variação individual entre atletas no que diz respeito à forma como são afetados por uma mudança aguda na PIO2 e como se adaptam a uma nova pressão atmosférica com a exposição crônica.
O processo de aclimatação na altitude leva de duas a três semanas, resultando em adaptações sistêmicas que podem ser medidas como respostas fisiológicas. Essas adaptações - como o aumento na ventilação, na concentração de hemoglobina, na densidade capilar, no número de mitocôndrias e na concentração de mioglobina tecidual - melhoram o transporte de oxigênio. Ao final do período de aclimatação, essas adaptações fisiológicas ocorridas estão relacionadas com a melhora do desempenho de resistência aeróbica na altitude.
Atletas e técnicos devem levar em consideração que a intensidade de exercício que pode ser mantida pelo organismo diminui na altitude, o que traz implicações para competições e treinos. O resultado do treinamento na altitude depende do balanço entre a extensão da aclimatação do organismo e a habilidade do atleta em treinar numa intensidade suficientemente alta. Na altitude há um aumento na geração de lactato, uma queda do pH e uma taxa de fadiga aumentada e, como consequência, a qualidade do estímulo do treinamento é reduzida, e muitos atletas podem até obter uma regressão do desempenho esportivo com o exercício em condições crônicas de hipóxia.
As evidências sobre a questão altitude e desempenho são controversas. Estudos controlados com permanência na altitude, ou simulação de altitude em câmara hipobárica, demonstram melhora no desempenho, enquanto outros, com semelhante metodologia, concluem que o treinamento em condições de hipóxia não provoca nenhum efeito aditivo no desempenho.
É necessário, assim, um maior embasamento científico, para que se comprove que a aclimatação à altitude provoca, de fato, mudanças no desempenho físico ao retornar para o nível do mar. A investigação na área de nutrição, desempenho e altitude possui entraves, como a grande variabilidade da resposta individual ao treinamento na altitude e à exposição à hipóxia, a dificuldade de formação de um grupo controle dos atletas estudados, para assegurar que possíveis mudanças no desempenho tenham ocorrido pela presença da altitude e não pelo treinamento per se; e a própria permanência na altitude, que dificulta o estudo de grandes amostras.
Para que se possa demonstrar a manutenção do desempenho e a duração destes resultados após permanência em altitude, pesquisas futuras deveriam continuar investigando os efeitos deste tipo de treinamento após o retorno dos indivíduos ao nível do mar. Isso poderia permitir o estabelecimento de uma estratégia com a inclusão de um microciclo na altitude. Estudos com grupos cuidadosamente controlados, pareados, com intervenção randomizada, poderão superar grande parte das limitações acima citadas, elucidando, de forma mais consistente, a questão treinamento na altitude e desempenho.
Alterações na utilização de substrato e na composição corporal
Quando os atletas ascendem a grandes altitudes, pode ocorrer uma perda de peso corporal de até 3% em oito dias - em uma elevação de 4.300 metros ou de até 15% após um período de três meses em uma altitude de 5.300 a 8.000 metros. Uma das causas desse fenômeno é a redução do apetite e consumo alimentar, decorrente dos efeitos da altitude sobre o organismo. Essa combinação pode exercer um efeito negativo sobre o desempenho, mesmo em altitudes moderadas, e trazer consequências secundárias, como consumo insuficiente de energia, depleção das reservas de glicogênio muscular, balanço de nitrogênio negativo e perda de massa corporal.
Estudos demonstram o aumento da taxa metabólica basal na altitude (14,29) e o consumo energético geralmente inferior, não atingindo a necessidade energética do indivíduo, que pode aumentar de 400 a 600 kcal/dia. Uma exposição aguda a uma altitude de 4.300 metros, por exemplo, eleva a taxa metabólica basal em torno de 30% e, mesmo após uma aclimatação de três semanas, ela permanece 17% mais alta que a taxa metabólica basal ao nível do mar.
As grandes altitudes resultam em adaptações fisiológicas em curto e longo prazos que afetam a necessidade e utilização de alguns nutrientes. Em condições de equilíbrio do balanço energético e de nitrogênio, a aclimatação resulta em uma menor dependência de lipídios como substrato energético, tanto no repouso como em exercícios prolongados, e em uma dependência aumentada do metabolismo de glicose.
Um aumento do estresse oxidativo também é observado durante o exercício na altitude, mesmo sem um esforço físico máximo. São vários os fatores ambientais, além da hipóxia, que levam a tal condição, como variações da temperatura, intensidade aumentada da radiação ultravioleta e taxa metabólica aumentada. Acredita-se que as espécies reativas de oxigênio, geradas no processo oxidativo - como os radicais superóxido (O2¯) e hidroxila (OH¯) e o peróxido de hidrogênio (H2O2) - iniciem importantes respostas de adaptação à altitude, entretanto, se produzidas em excesso, podem reduzir a perfusão capilar e prejudicar a função muscular na altitude.
Energia e macronutrientes
Com a redução do apetite e do consumo alimentar, juntamente com o aumento da taxa metabólica basal, torna-se mais difícil atingir a necessidade energética na altitude, que pode variar entre 3.800 e 6.000 kcal/dia, dependendo do tipo de trabalho físico, sexo e idade do atleta. A distribuição ideal do consumo energético entre os macronutrientes é controversa. A preferência por carboidratos foi mostrada em indivíduos que receberam uma variedade de alimentos ad libitum em altas altitudes e após atividade física aumentada.
Uma dieta rica em carboidratos pode ser vantajosa ao atleta, pois o carboidrato é uma fonte de energia mais eficiente (maior produção de energia por litro de captação de oxigênio comparado à gordura: 5,05kcal/l O2 contra 4,69kcal/l O2), independentemente da tensão de oxigênio no ar inspirado. Foi demonstrado, também, que o consumo de carboidratos melhora a oxigenação sanguínea na altitude, através do aumento da tensão de oxigênio e da saturação de oxihemoglobina no sangue arterial.
Um estudo que avaliou o consumo dos diferentes macronutrientes em altitudes crescentes, entretanto, demonstrou uma tendência de aumento no consumo tanto de alimentos ricos em carboidrato como de alimentos ricos em gordura. O mais recomendável, então, seria não excluir alimentos saborosos ricos em gordura, já que são fontes ricas em energia, que podem ajudar no fornecimento da necessidade energética aumentada na altitude. Queijo, peixes enlatados em óleo, chocolate, entre outros, preenchem os critérios de alimentos ricos em gordura, que são facilmente preparados para o consumo.
Outro recurso para atingir a necessidade energética é com a suplementação de carboidratos através dos líquidos da dieta. A partir da chegada na altitude, é recomendado consumir, no mínimo, de 3 a 5 litros de líquidos por dia, contendo de 200 a 300 gramas de carboidrato adicionais. É fundamental manter o consumo de carboidratos durante o exercício, o que pode ser feito ingerindo uma bebida com 6% a 8% de carboidrato/ml e, na fase de recuperação pós-exercício, por meio do consumo de suplementos como bebidas energéticas (20% de carboidrato/ml), géis de carboidrato e barras energéticas.
Nenhum estudo demonstra que a recomendação de proteína no exercício (1,2 a 1,8g/kg de peso) se altere na altitude. O balanço de nitrogênio negativo na fase aguda de exposição à altitude ocorre se houver um balanço energético negativo, e não devido a algum efeito da hipóxia sobre a digestibilidade e absorção da proteína.
O padrão de alimentação na altitude também é alterado, devido à diminuição do apetite. Em um estudo de Westerterp-Platenga et al. foi demonstrado que o tamanho das refeições é reduzido, devido a um maior aumento na saciedade e diminuição da fome. Há, consequentemente, um aumento na frequência de refeições de 4.±.1 para 7.±.1 vezes ao dia. Torna-se importante, então, a disponibilidade de alimentos fáceis de serem consumidos, ricos em energia e nutrientes.
Hidratação
O risco de desidratação pode, teoricamente, ser maior na altitude, devido à baixa umidade do ar, à diurese aumentada nas primeiras horas de exposição e ao aumento da ventilação pulmonar. Na prática, no entanto, a perda total de água na altitude não é maior que ao nível do mar. Um estudo mostra, ainda, que a perda total de água em relação ao nível do mar pode até diminuir em uma altitude de 4.350m, de 4,5 para 3,5 litros/dia, respectivamente, devido à diminuição na temperatura ambiente e no consumo voluntário de líquidos.
Recomenda-se o consumo em torno de 3 a 5 litros por dia, já que a diurese é regulada em função da ingestão hídrica e a retenção de fluidos na altitude é uma das causas da DAM. Uma forma prática de observar a hidratação é monitorar a urina. O organismo deve produzir urina de cor amarelo-pálida; se a urina apresentar-se concentrada e escura, é um indicativo de desidratação.
A adição de carboidratos nos líquidos promove a ingestão, pois aumenta a palatabilidade. Este é um aspecto importante já que a diminuição do apetite também vem acompanhada da diminuição da sensação de sede, e a hipóxia provoca mudanças nas respostas hedônicas, particularmente, um aumento da palatabilidade pelo gosto doce.
Micronutrientes
A suplementação de vitaminas com função antioxidante poderia ser desejável em grandes altitudes devido ao estresse oxidativo aumentado. Durante uma permanência prolongada na altitude, a suplementação de tais vitaminas poderia prevenir uma diminuição do desempenho físico, associada com o dano provocado pelos radicais livres aos sistemas de defesa celular. Apenas um estudo, porém, sugere uma recomendação de suplementação, sendo mais prudente aguardar que outros trabalhos sejam realizados a fim de melhor fundamentar a suplementação destes nutrientes.
Devido ao aumento da resposta eritropoiética na altitude, acredita-se que a suplementação de ferro pode ser benéfica para atletas com deficiência do mesmo, já que estes não demonstram uma resposta eritropoiética normal quando expostos à altitude. É importante salientar, no entanto, que a produção simultânea de radicais livres pode ser aumentada por ferro livre em excesso. Assim, mais evidências são necessárias para definir a necessidade e/ou quantidade da suplementação de ferro.
Tendo em vista o crescente número de pessoas que ascendem a grandes altitudes, seja a trabalho, no caso atleta, ou a lazer, é fundamental a continuidade das pesquisas na área, para que questões como a proporção ideal de macronutrientes, o risco de desidratação, e a necessidade de suplementação sejam elucidadas.
Conclusão
As grandes altitudes podem prejudicar o atleta pela combinação de vários efeitos, como a diminuição do apetite, mal-estar e náusea, que acabam por levar a uma perda de massa corporal. Assim, o consumo energético deve ser aumentado em aproximadamente 400 a 600kcal/dia; é fundamental monitorar a quantidade de líquidos ingeridos e incluir, no plano alimentar, itens de fácil preparação, agradáveis ao paladar e ricos em energia e nutrientes.
Autor:Caroline Buss
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