O maior motivo de reclamação das equipes de futebol (o excesso de jogos) acaba sendo o principal meio para a evolução do jogar que elas acabam tendo.
Em um jogo de futebol, durante o confronto das duas equipes que o disputam, há um sem número de situações-problema, que ocorrem o tempo todo, aleatoriamente, de maneira imprevisível, em cada milímetro dos 7000 metros quadrados que correspondem ao campo de jogo.
Vencer o jogo significa resolver melhor essas situações. Resolver melhor essas situações significa tomar as melhores decisões a cada ação, sob o ponto de vista individual e coletivo.
Na tomada de decisão, a intenção na ação e as estruturas criadas a partir de experiências anteriores podem colaborar para melhores decisões em uma situação-problema qualquer. Para tanto, a experimentação de situações desafiadoras, diversificadas e ricas, específicas do jogo, aumentará cada vez mais as chances de quem joga de tomar decisões acertadas.
A inteligência humana é um mecanismo móvel, imprevisível, versátil e circunstancial, que, diante dos problemas dispõe ao sujeito um leque de possibilidades, que, se for amplo (o leque), diversificado e rico, contribuirá para que sejam escolhidas as melhores opções disponíveis para cada circunstância.
Então, o treino de futebol deve levar em conta que, para se estar habilitado para jogar, deve-se treinar jogando.
Nessa perspectiva, vale ressaltar que a possibilidade de aprender a partir de estímulos que desencadeiam processos de assimilação e acomodação – e de, portanto, formar novos esquemas cognitivos – deve estar adequada à fase de desenvolvimento do sujeito que recebe o estímulo (e isso inclui o seu nível de compreensão e ação no jogo). Em outras palavras, só é possível interagir com problemas se esses forem adequadamente superiores ao conhecimento prévio necessário para tal (não pode ser excessivamente superior, nem inferior!).
Sobre isso, Vygotsky descreveu a existência de uma área potencial de desenvolvimento cognitivo definida como uma “área” que rodeia o desenvolvimento real atual do indivíduo (que é determinado pelo seu nível atual para resolver problemas sem auxílio de outras pessoas) e pelo nível de desenvolvimento potencial (que é determinado através da resolução de problemas que precisa ser “guiada”).
Então, o nível de desenvolvimento consolidado, que permite a utilização do conhecimento de forma autônoma, é o desenvolvimento real do sujeito. Ele não é estático e vai se alterando no processo de aprendizagem. A consolidação do desenvolvimento real gera também possibilidades menos elaboradas e não consolidadas que potencialmente podem ser construídas; esse é o desenvolvimento potencial. O desenvolvimento potencial tende a ser, com o processo permanente de aprendizagem, o futuro desenvolvimento real.
Segundo Vygotsky, o processo de desenvolvimento não coincide com o processo de aprendizagem, porque há uma falta de sintonia (“assintonia”) entre os dois (o processo de desenvolvimento e o processo de aprendizagem que o precede). Dessa assintonia, que corresponde à área da “dissonância cognitiva” do potencial do aprendiz, surge a Zona de Desenvolvimento Proximal.
A Zona de Desenvolvimento Proximal é, então, em outras palavras, o campo intermediário do processo que liga o estágio atual de desenvolvimento com o próximo em potencial. Porém, o próximo em potencial a ser buscado, no caso do jogo de futebol, é o próprio jogar (melhor, mais elaborado, etc.).
Então, que sentido faz, no futebol, sessões de treinos, onde o cerne são os sprints, os saltos ou as longas corridas a que são submetidos os jogadores? Que próximo estágio de desenvolvimento potencial se conseguirá alcançar com isso?
O tempo para desenvolvimento do jogar no futebol é escasso. Muitos compromissos, jogos, competições viagens... E, mesmo assim, perde-se muito dele (oh, precioso tempo!), treinando justamente algo que não vai contribuir para que se alcance os novos níveis do jogar.
E aí, sabe quando é que a equipe acaba evoluindo seu jogar (ou no “futebolês”, adquirindo ritmo e consistência)? Jogando no meio ou fim de semana suas partidas oficiais.
Então, em outras palavras, o que se configura no maior motivo de reclamação das equipes de futebol (o excesso de jogos), acaba sendo o principal meio para a evolução do jogar que elas acabam tendo.
Autor: Rodrigo Azevedo Leitão
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